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    Ainda estou aqui

    Por Marcelo Rubens Paiva
    Existem 11 citações disponíveis para Ainda estou aqui

    Sobre



    Trinta e cinco anos depois de Feliz ano velho, a luta de uma família pela verdade

    Eunice Paiva é uma mulher de muitas vidas. Casada com o deputado Rubens Paiva, esteve ao seu lado quando foi cassado e exilado, em 1964. Mãe de cinco filhos, passou a criá-los sozinha quando, em 1971, o marido foi preso por agentes da ditadura, a seguir torturado e morto. Em meio à dor, ela se reinventou. Voltou a estudar, tornou-se advogada, defensora dos direitos indígenas. Nunca chorou na frente das câmeras.
    Ao falar de Eunice, e de sua última luta, desta vez contra o Alzheimer, Marcelo Rubens Paiva fala também da memória, da infância e do filho. E mergulha num momento negro da história recente brasileira para contar ? e tentar entender ? o que de fato ocorreu com Rubens Paiva, seu pai, naquele janeiro de 1971.
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    Citações de Ainda estou aqui

    A memória não é apenas uma pedra com hieróglifos entalhados, uma história contada. Memória lembra dunas de areia, grãos que se movem, transferem-se de uma parte a outra, ganham formas diferentes, levados pelo vento. Um fato hoje pode ser relido de outra forma amanhã. Memória é viva. Um detalhe de algo vivido pode ser lembrado anos depois, ganhar uma relevância que antes não tinha, e deixar em segundo plano aquilo que era então mais representativo. Pensamos hoje com a ajuda de uma parcela pequena do nosso passado.

    Não culpou esse ou aquele, mas o todo. Não temeu pela vida. Lutou com palavras.

    O contrabando e o jogo do bicho se associaram a agentes da repressão e se fortaleceram. O crime organizado nasceu. A promiscuidade entre polícia e bandido, tema do filme Lúcio Flávio, o passageiro da agonia, consolidou-se. O Comando Vermelho surgiu num presídio da ditadura. Em 15 de março de 1985, ao terminar, ela deixou uma inflação que virou hiper (a acumulada de 1984 foi de 223,90%), uma moeda desvalorizada (um dólar valia 4160 cruzeiros) e uma dívida externa que nos levou à moratória (o FMI suspendeu em fevereiro de 1985 o crédito ao Brasil, que não cumprira as metas depois de sete tentativas). Outra herança: o desmantelamento do ensino público.

    Assim era o Brasil da ditadura: o órgão que deveria defender os índios defendia os fazendeiros que invadiam as terras indígenas, a polícia federal, que deveria defender o direito do cidadão, defendia o Estado e o poder, que se sentia ameaçado pelo cidadão.

    Verinha, Cuchimbas, Lambancinha, Cacazão e Babiu. Recebi suas cartinhas, desenhos etc., fiquei muito satisfeito de ver que os nenês não esqueceram o velho pai. Aqui estou fazendo bastante ginástica, fumando meus charutos e lendo meus jornais. É possível que o velho pai vá fazer uma viagenzinha para descansar e trabalhar um pouco. Vocês sabem que o velho pai não é mais deputado? E sabem por quê? É que no nosso país existe uma porção de gente muito rica que finge que não sabe que existe muita gente pobre, que não pode levar as crianças na escola, que não tem dinheiro para comer direito e às vezes quer trabalhar e não tem emprego. O papai sabia disso tudo e quando foi ser deputado começou a trabalhar para reformar o nosso país e melhorar a vida dessa gente pobre. Aí veio uma porção daqueles muito ricos, que tinham medo que os outros pudessem melhorar de vida e começaram a dizer uma porção de mentiras. Disseram que nós queríamos roubar o que eles tinham: é mentira! Disseram que nós somos comunistas que queremos vender o Brasil: é mentira! Eles disseram tanta mentira que teve gente que acreditou. Eles se juntaram — o nome deles é gorila — e fizeram essa confusão toda, prenderam muita gente, tiraram o papai e os amigos dele da Câmara e do governo e agora querem dividir tudo o que o nosso país tem de bom entre eles que já são muito ricos. Mas a maioria é de gente pobre, que não quer saber dos gorilas, e mais tarde vai mandar eles embora, e a gente volta para fazer um Brasil muito bonito e para todo mundo viver bem. Vocês vão ver quer o papai tinha razão e vão ficar satisfeitos do que ele fez. O velho pai tinha trinta e cinco anos. Queria se justificar para os filhos que, na escola, nas ruas, podiam ouvir que o pai era um comunista. Revelava um otimismo peculiar: todos ali imaginavam que o golpe não duraria muito. Pela lógica e roteiro escrito pelos próprios golpistas, eles devolveriam o poder aos civis em 1966, numa eleição ganha por um JK ainda não cassado. Meu pa

    A principal tese do MPF é que os crimes foram cometidos contra a humanidade e, portanto, não prescreveram nem são submetidos à Lei de Anistia. O procurador-geral de Justiça, Rodrigo Janot, sustenta a mesma tese. O ministro Teori Zavascki, do STF, suspendeu, em 29 de setembro do mesmo ano, a Ação Penal contra os cinco militares denunciados. Considerou que manter em andamento a denúncia seria “incompatível” com a análise já feita pelo STF sobre a aplicação da Lei de Anistia e pediu informações ao juiz federal da 4ª Vara Federal Criminal do Rio. O caso não tem data para ir à plenária do Supremo.

    A intensidade de uma lembrança é diretamente proporcional à sua antiguidade. As recém-chegadas somem antes daquelas de que lembramos muitas vezes na vida, as adquiridas. Quanto mais antiga e primitiva, mais estável ela é. As últimas se vão primeiro.

    A famosa caixinha da Fiesp, de empresários que financiavam o centro de tortura da Oban, que inspirou os DOI-Codis, era passada pelo Henning Boilesen, da Ultragás, e dizem que ele frequentava as sessões, para assistir a garotos de ponta-cabeça levando choques. Empresários davam dinheiro e equipamentos para ajudar no combate ao “terrorismo”, que atrapalhava os negócios.

    A tortura é a ferramenta de um poder instável, autoritário, que precisa da violência limítrofe para se firmar, e uma aliança sádica entre facínoras, estadistas psicopatas, lideranças de regimes que se mantêm pelo terror e seus comandados. Não é ação de um grupo isolado. A tortura é patrocinada pelo Estado. A tortura é um regime, um Estado. Não é o agente fulano, o oficial sicrano, quem perde a mão. É a instituição e sua rede de comando hierárquica que torturam. A nação que patrocina. O poder, emanado pelo povo ou não, suja as mãos.

    O alto escalão do governo sabia que era mentira. Jornalistas sabiam que era mentira. Menos a minha mãe, que queria acreditar que ele estava vivo, que precisava acreditar, e conheceu senadores que não serviam para nada, deputados que não legislavam, um poder corroído pelo autoritarismo, corrompido até a alma, juízes que não julgavam, tribunais que mentiam, um poder de fachada, uma mentira para dar legitimidade a uma ditadura e a milicos que mandavam e desmandavam e metiam medo, lia uma imprensa vaga, sob censura ou, pior, condescendente, via uma TV que se omitia, acovardava-se.

    Menos a minha mãe, que queria acreditar que ele estava vivo, que precisava acreditar, e conheceu senadores que não serviam para nada, deputados que não legislavam, um poder corroído pelo autoritarismo, corrompido até a alma, juízes que não julgavam, tribunais que mentiam, um poder de fachada, uma mentira para dar legitimidade a uma ditadura e a milicos que mandavam e desmandavam e metiam medo, lia uma imprensa vaga, sob censura ou, pior, condescendente, via uma TV que se omitia, acovardava-se.

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