We love eBooks

    Carta ao pai

    Por Franz Kafka
    Existem 21 citações disponíveis para Carta ao pai

    Sobre

    A Carta ao pai é uma peça fascinante da obra de Franz Kafka. Dificilmente algum filho pôde escrever ao pai carta mais pungente do que esta. Nela o grande escritor realiza um ajuste de contas memorável com o tirano familiar Hermann Kafka. O móvel do confronto é uma tentativa de casamento do filho que o pai desaprova, mas o texto abrange toda a relação entre ambos, num ritmo dolorosamente ágil. Como sempre, a capacidade de análise e argumentação do escritor surpreende. Aqui ela transforma uma carta em documento perene da literatura universal.

    Baixar eBook Link atualizado em 2017
    Talvez você seja redirecionado para outro site

    Definido como

    Listados nas coleções

    Citações de Carta ao pai

    A sovinice é, sem dúvida, um dos sinais mais confiáveis de infelicidade profunda;

    Quando eu começava a fazer alguma coisa que não te agradava e tu me ameaçavas com o fracasso, então o respeito pela tua opinião era tão grande que com ele o fracasso era inevitável, mesmo que só ocorresse em uma época posterior. Perdi a confiança nos meus próprios atos. Tornei-me instável, indeciso.

    Tu assumias para mim o caráter enigmático que todos os tiranos possuíam, cujo direito está fundado sobre sua pessoa e não sobre o pensamento.

    Minha atividade de escritor tratava de ti, nela eu apenas me queixava daquilo que não podia me queixar junto ao teu peito.

    Da tua poltrona, tu regias o mundo. Tua opinião era certa, qualquer outra era disparatada, extravagante, meschugge, anormal. E tua autoconfiança era tão grande que tu não precisavas de maneira alguma ser consequente e mesmo assim não deixavas de ter razão.

    autor tcheco-alemão

    Frases curtas são, muitas vezes, veículos de ideias curtas, e Kafka sabia disso…

    Tu me encorajavas, por exemplo, quando eu batia continência e marchava com desenvoltura, mas eu não era um futuro soldado,[13] ou tu me encorajavas, quando eu podia me alimentar bem e até beber uma cerveja junto, ou quando eu sabia repetir canções que não compreendia ou arremedar teus discursos prediletos; mas nada disso fazia parte do meu futuro. E é significativo que até hoje tu apenas me encorajes de fato naquilo que te afeta pessoalmente, quando se trata do teu amor-próprio, que eu firo

    Eu era uma criança medrosa, é claro que apesar disso também fui teimoso, como toda criança é; claro que minha mãe também me estragou com seus mimos, mas não posso acreditar que eu tenha me mostrado difícil de ser conduzido, não posso acreditar que uma palavra amistosa, um pegar pela mão tranquilo, um olhar bondoso não pudesse conseguir de mim tudo o que se queria. No fundo és, pois, um homem bom e brando (o que se segue não vai contradizê-lo, estou falando apenas da aparência com a qual exercias influência sobre a criança), mas nem toda criança tem a resistência e o destemor de procurar tanto quanto for necessário para encontrar a bondade. Tu podes tratar um filho apenas na medida em que tu mesmo foste criado, com força, barulho e cólera, e nesse caso isso te parecia, além do mais, muito adequado, porque querias fazer de mim um jovem forte, corajoso.

    Bastava que eu manifestasse um pouco de interesse por alguém – o que aliás não acontecia com frequência por causa do meu jeito de ser – para que tu, sem qualquer respeito pelo meu sentimento e sem consideração pelo meu veredicto, interviesses logo com insulto, calúnia e humilhação. Pessoas inocentes, ingênuas como, por exemplo, o ator judeu Löwy tinham de pagar por isso. Sem conhecê-lo, tu o comparaste, de um modo terrível, do qual já me esqueci, com insetos daninhos[17] e, como muitas vezes aconteceu em relação a pessoas que me eram caras, tu automaticamente tinhas à mão o provérbio sobre os cães e as pulgas.

    “A gente não pode nem falar com ela e ela já vai pulando no pescoço da gente”, tu costumas dizer, mas na verdade ela está longe de fazer isso; tu confundes a coisa com a pessoa; é a coisa que pula no teu pescoço e imediatamente tu tomas uma decisão sobre ela, sem ouvir a pessoa; o que alguém argumentar depois disso só pode irritar-te ainda mais, jamais convencer-te.

    E ainda sem poder argumentar nada, pois te é de antemão impossível falar com serenidade sobre uma coisa com a qual não estás de acordo ou que simplesmente não parta de ti; teu temperamento dominador não o permite.

    Mais uma vez, era o que ficava parecendo à criança, a gente continuava vivo por causa da tua misericórdia e levava a vida adiante como se fosse um presente imerecido que nos davas. Faziam parte desse quadro também as ameaças decorrentes da desobediência. Quando eu começava a fazer alguma coisa que não te agradava e tu me ameaçavas com o fracasso, então o respeito pela tua opinião era tão grande que com ele o fracasso era inevitável, mesmo que só ocorresse em uma época posterior. Perdi a confiança nos meus próprios atos. Tornei-me instável, indeciso. Quanto mais velho ficava, tanto maior era o material que tu podias levantar como prova da minha falta de valor; aos poucos passaste a ter, de certa maneira, razão de fato.

    “A gente não pode nem falar com ela e ela já vai pulando no pescoço da gente”, tu costumas dizer, mas na verdade ela está longe de fazer isso; tu confundes a coisa com a pessoa; é a coisa que pula no teu pescoço e imediatamente tu tomas uma decisão sobre ela, sem ouvir a pessoa; o que alguém argumentar depois disso só pode irritar-te ainda mais, jamais convencer-te. Ouve-se então apenas o seguinte: “Faze o que quiseres; por mim, és livre; já és maior de idade; eu não tenho nenhum conselho a te dar” e tudo isso no quase sussurro, terrível e rouco, da ira e da condenação completa, diante do qual eu hoje só tremo menos do que na infância porque o sentimento de culpa exclusivo da criança em parte foi substituído pela compreensão do nosso desamparo comum.

    “Os pais que esperam gratidão de seus filhos (inclusive há os que a exigem) são como agiotas; eles até gostam de arriscar seu capital, contanto que recebam juros por ele” (KAFKA, Franz: Tagebücher 1910-1923. Org. por Max Brod. New York e Frankfurt a. M., 1951, p. 443).

    Eu teria precisado de um pouco de estímulo, de um pouco de amabilidade, de um pouco de abertura para o meu caminho, mas ao invés disso você o obstruiu, certamente com a boa intenção de que eu devia seguir outro.

    Sem dúvida, a partir daquele momento eu me tornei obediente, mas fiquei internamente lesado.

    Você assumia para mim o que há de enigmático em todos os tiranos, cujo direito está fundado, não no pensamento, mas na própria pessoa.

    A avareza é sem dúvida um dos sinais mais confiáveis de infelicidade profunda;

    Você assumia para mim o que há de enigmático em todos os tiranos, cujo direito está fundado, não no pensamento, mas na própria pessoa”.

    Segundo a minha índole, nunca pude relacionar direito a naturalidade daquele ato inconsequente de pedir água com o terror extraordinário de ser arrastado para fora.

    eBooks por Franz Kafka

    Página do autor

    Relacionados com esse eBook

    Navegar por coleções eBooks similares